sábado, 17 de setembro de 2011

Tempos de Espera

"(...) Alfredo, recordar é tão bom. Ouso dizer que é um exercício poético. Por meio da recordação, podemos ritualizar a existência, pondo num mesmo altar todos os tempos, conjugando-os sem as amarras de suas determinações.
Mas é por ser poético que também é perigoso. A recordação pode se transformar numa prisão. Nem tudo permanece. As perdas são inevitáveis, você bem sabe. O apego ao passado pode nos privar das belezas do presente e das esperanças do futuro. Eu vivo fazendo acordo com o tempo. Descobri que não posso vencê-lo. Aprendi que o passado pode ser um quadro na parede, mas NUNCA a mobília principal.
Meu querido amigo, abrir mão da vida que já não nos pertence é um jeito sábio de perder para ganhar. Volto a dizer. Perdemos o tempo todo. E perder requer arte. Os seres que éramos ontem, hoje já não somos mais. Estamos modificados. Alguma coisa em nós já começou a morrer. Mas outras realidades já nasceram. Esta é a dinâmica do luto. Aquele que a cada dia se sepulta da mesma forma renasce. Toda perda requer luto. Mas nem sempre vivenciamos corretamente os movimentos deste luto. A morte do que somos desordena tudo. Mexe, modifica, desinstala. Mas depois há sempre uma nova oportunidade humana à nossa espera.
O mesmo acontece quando perdemos alguém. Enfrentar a morte das pessoas que amamos não é fácil. Falo de todas as formas de perder. Há pessoas que se vão de nossas vidas, mesmo quando permanecem ao nosso lado. A morte não foi física, mas afetiva. A morte física se impõe com uma dramaticidade maior. O sepultamento do corpo é o desfecho da despedida. Enterrar é necessário. É preciso que o velório termine, que o quarto seja desarrumado e que as roupas sejam doadas, repartidas, para que a vida reencontre seu curso normal. A tristeza faz parte do processo, mas será mais leve à medida que o tempo cumpre o seu específico, que é passar. Tempo não foi feito para ficar, ao contrário, foi feito pra passar. E é bom que passe.
Nisso há uma dádiva. O tempo é redentor. Nele e com ele faremos a experiência do distanciamento que nos ajuda a enxergar com  mais leveza os acontecimentos do passado. (...) Mas o tempo a que retornamos só existe no contexto de nossas lembranças. A cena já se desfez, muitos personagens já morreram, mas o resultado da cena ainda continua atuante dentro de nós. A isso chamamos de trauma. (...)"

(Pe. Fábio de Melo)

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